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desde 1500 a vida na mata é circunstancial

  • lopezhugosilva
  • 5 days ago
  • 2 min read

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Mapa topográfico do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão, entre a Serra da Misericórdia e Campo da Vacaria. Fonte:

Data do Data.Rio, editado pelo autor.


[Use translate for English]


A recente operação policial no Rio de Janeiro pode ser encarada de diversas formas. Me espanta o fato de que essa deixou mais de cem mortos nos complexos do Alemão e da Penha e, no dia seguinte, amanheceu com diversas pessoas mortas sendo trazidas das matas pelos moradores até uma praça para serem identificadas. Apesar da sensação de luto por todo caos e violência, uma outra particularidade também triste chama a atenção. Segundo as próprias autoridades policiais, a estratégia de guerra consistia em empurrar o confronto para a região da mata dentro da favela. Esse espaço que, na geografia simbólica da cidade, continua sendo tratado como o “outro do outro”: um lugar equivalente ao que Grada Kilomba expõe sobre a mulher negra, uma posição de exclusão da possibilidade do ser.


No contexto histórico urbano, a favela já nasce como estratégia de resistência às promessas não cumpridas e à exclusão de direitos. A mata é, mais uma vez, reforçada como o lugar onde a vida é secundária, já que a guerra acontece ali e a vida se torna algo “circunstancial” — como analisou Rodrigo Pimentel. Não apenas a favela é o território onde a justiça territorial não alcança, faltando esforços efetivos e ajustados para prover saneamento, água, luz, energia, moradia digna, equipamentos públicos, etc, mas, além disso, a mata parece sofrer uma forma ainda mais profunda de desvalorização territorial. Ela é vista como o espaço onde a guerra pode acontecer. Onde o “muro do Bope” pode ser planejado e posicionado. Há séculos, a mata é o lugar “sem dono”, ou onde o colonizador pode fazer o que quiser, já que quem está ali é considerado sem mais direito à vida. É o lugar onde se reforça a eliminação das alteridades, de tudo o que foge a um projeto hegemônico de uma ideia de sociedade. Mais uma vez, é na favela, e ainda na mata que há na favela, que se revelam as relações de poder que estruturam a vida urbana desde 1500. Mais uma vez, essa foi a lógica, estar ou fugir para a mata era estar exposto à vida se tornar circunstancial.


Nota 

Este texto foi escrito nos dias que seguiram a megaoperação policial no Complexo do Alemão e no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, que resultou em mais de cem mortes, muitos corpos sendo trazidos por moradores desde as matas até praças para identificação (https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/30/a-busca-por-corpos-na-mata-da-vacaria-o-globo-esteve-onde-aconteceu-maior-parte-das-mortes-em-megaoperacao-no-rio-saiba-mais.ghtml). Nesta nota, desejo colocar em forma de luto e reflexão o que significa territorialmente e ontologicamente que o Estado tenha decidido “empurrar o confronto para a mata”. A mata, nesse contexto urbano-colonial, aparece como uma extensão do “outro do outro”, um espaço onde a vida se torna circunstancial, onde alteridades são descartáveis, onde o sujeito é exposto à redução da sua dignidade de ser.


 
 
 

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